sábado, 4 de setembro de 2010

BOCA NEGRA

Fazemos aqui algumas rimas, visto que a ideia é fazer justa e merecida homenagem ao cão, tão decantado fiel amigo do homem, bem como, pelo desprendimento, literalmente de seu faro de sempre estar ao nosso lado, seja como guarda ou vigia, caçador, como guia, sinalizador, simplesmente companhia ou como trabalhador, desenvolvendo sobretudo nos pampas gaúchos, atividades de acentuado risco a que se submete como é o caso das lides campeiras de auxiliar no pastoreio junto aos rebanhos de animais e até mesmo se eventualmente hostilizado jamais esboçou qualquer reivindicação de ressentimento, vingança ou sentimento de rancor - pelo contrário - sempre fiél amigo e disposto a servir seus donos, independentemente do que lhes dêem para comer ou dormir seja comida farta ou não, durmam em lugares especiais ou ao relento, demonstram sempre a predisposição de lealdade a seus donos.
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Boca negra,
Era um cachorrinho
Que criei com carinho
Desde que nasceu
Pois, logo sua mãe morreu
Desde pequerrucho gostei dele
Baldoso como só ele
Também pudera! Criado na mamadeira
Até achei que ia dar porqueira
Que nada! Peguei confiança nele
.
Vejam só o destino
Numa manhã, bem cedinho
O boca negra, filhotinho
Se encaminhou prá mangueira
Quando vi, digo: -Mas que asneira!
Quase noventa patas em pisoteio
E o cusquinho indefeso ali no meio
Taí coisa que até hoje me assusta
Aquela saudosa cusca
Em socorro ao filhote, parou rodeio
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Quando lembro, dá saudade
Quanto mais ele crescia
Mais boca negra surpreendia
Na verdade era um peralta
Da mãe parecia nem sentir falta
Claro, essas coisas não compreendia
Que a mãe morrera prá defender a cria
Dizem, foi coisa rara
Um só coice na cara
Tirou-lhe a luz do dia
.
Sempre ativo, boca negra
Logo começou dar sinal
Que seria um bom animal
E que daria bom campeiro
Percorria todo o potreiro
E sem cansaço e animado
Donde tirara esse legado
De tamanha vocação
Nunca recebera adestração
Eta! cusquinho folgado!
.
Certa tarde me fui banhar na sanga
Só mesmo a fazer "foliria"
Passei na estrebaria
Levei por diante um garrote
Que saiu no trote
Boca negra, sem serventia
Em volta ficava de correria
Agarrado que nem cambicho
Mordia o focinho do bicho
Tapava o coitado a judiaria
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Nadei um monte, até cansar
Voltei pro galpão
Cheio de empolgação
Encilhei o pingo no capricho
Há tempos não fazia isso
A noitinha fui dar uma fresteada
Num baile de cola atada
Eu, gurizote meio perverso
Atravessei o lageado do Celso
Prá bem de dar uma dançada
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Cheguei no bochincho
E não me parei de rogado
Dei uma olhada pro lado
Uma prenda já sorriu
Senti aquele arrepio
Escutei a acordeona roncando
E já saimos dançando
Grudados que nem carrapato
É hoje que eu desempato
E assim fomos bailando
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O baile buenaço por demais!
E lá ficamos dançando "de par"
Como se dizia naquele lugar
Dançamos uma barbaridade!
Até parecia uma tempestade
A poeira que levantava
Mas jamais imaginava
Nem teria como prever
O que estava prá acontecer
Nessa hora, só em dançar eu pensava
.
Já começando a madrugada
Chegam três "cueras", dois eram da escola
Conheci jogando bola
O maior deles, filho dum fazendeiro
Aliás, era nosso lindeiro
Gostava da moça, eu não sabia
Mas até ali, desfeita não fazia
De repente! Ficou mais ouriçado
Eu já me parei desconfiado
Coisa feia eu já previa
.
O sangue ferveu nas veias
Ao querer levar mão na trança
Esqueci que eu era quase criança
E que a sorte me defenda
Puxei pro lado a prenda
Sampei-lhe um tapa no ouvido
Só escutei um gemido
Saltamos prá fora peleando
E no soco fomos tramando
Quem manda ser atrevido
.
Eram três contra um
Mas desde guri fui metido a macho
Descemos lançante abaixo
E a "pauleira" pegando
Fui me desdobrando
Já sentindo o sufoco
Levando, mas distribuindo soco
Até que dois cansaram
Ou quem sabe se acovardaram
Pensei, agora eu pego esse caboclo
.
Ficou só o filho do estancieiro
Que continuava vindo
Eu já cansado mas reagindo
Quando alguma coisa ele saca
E vejo o clarão duma faca
Que já me cutucava
E eu só me esquivava
A carneadeira já me lambia
Mas no tapa eu retribuia
Senti que ele cambaleava
.
Aquele dia estava eu para o amor
Não era um bom dia prá briga
Senti um beliscão na barriga
E já escutando um barulho
Bati num pedregulho
Desprevenido enxerguei subir o braço
Vi que na mão tinha o aço
Eu já começava a ficar aflito
Quando escutei aquele grito
Digo, agora me desembaraço!
.
Pois a boca do meu cusco
Arrancou-lhe o garrão
Só precisei de um assoprão
Prá terminar com o tinhoso
Não é que esse cusco manhoso
Deixou-me mais orgulhoso
Desde que saí da estância
Sem eu saber acompanhara à distância
Nessa empreitada que quase morro
Não fosse do meu cusco o socorro
Mas bah! Como deu bom, boca negra, meu cachorro!